quinta-feira, 15 de abril de 2010

CONAE: um salto de qualidade para a política educacional brasileira

Tive a oportunidade de participar recentemente (28 de março a 1º de abril), em Brasília, da Conferência Nacional de Educação – CONAE. A etapa nacional da Conferência contou com a participação de aproximadamente 2.500 delegados e delegadas eleitos nas centenas de conferências municipais e estaduais de educação realizadas pelo país. Estas pessoas representaram, na Conae, vários segmentos da sociedade brasileira. Entre eles o poder público, os gestores e educadores das redes públicas e privadas, pais e mães, estudantes, ministério público, parlamentares, movimentos sociais (negro, mulheres, quilombolas, diversidade sexual, religiões, campo, pessoas com deficiência). Durante quase uma semana, os representantes participaram de um profícuo debate sobr e a política educacional brasileira e prepararam as bases para a construção do Plano Nacional da Educação, que estará em vigor nos próximos 10 anos. A Conae representou um marco para a educação em nosso país. A sociedade tem, agora, um instrumento importante para consolidar uma política nacional de investimento neste setor, ultrapassando, assim, o fácil e cômodo discurso da educação como redentora dos problemas do país.
O discurso da importância da educação para o desenvolvimento do país já virou senso comum. Políticos, governantes e a sociedade em geral o repetem como um mantra: “A educação precisa ser prioridade”. No entanto, há ainda uma distancia significativa entre o discurso e a realidade. Atualmente, temos no Brasil aproximadamente 14 milhões de analfabetos. Cerca de dois terços da população não possui o ensino fundamental completo. E, segundo dados do próprio Ministério da Educação (2007), apenas 12,81% dos brasileiros da faixa etária de 18 a 24 anos cursam o ensino superior. E menos da metade da população de 15 a 17 anos cursam o ensino médio.
A falta de investimentos sólidos na área educacional tem comprometido tanto o acesso à escola, quanto a qualidade da educação ofertada aos brasileiros. Neste sentido, a Conae apontou a possibilidade concreta de materializar em políticas públicas o discurso mântrico da importância da educação. Deste modo, uma das principais definições da Conferência foi o de ampliação gradativa dos recursos a serem aplicados no setor. Hoje, o Brasil aplica 4,7% do PIB na área. O novo plano nacional de educação prevê um aumento de 1% ao ano, em relação ao PIB, como forma de atingir, no mínimo, 7% do PIB até 2011 e, no mínimo, 10 % do PIB até 2014. Para alcançar esta meta, uma das fontes de recursos prevista será o fundo social do pré-sal.
Outro destaque da Conferência foi o de definir as bases para a construção de um Sistema Nacional Articulado de Educação. Este possibilitará que as políticas da área da educação deixem de ser políticas dos governos estaduais, municipais ou da união, para se consolidarem como uma política estratégica do Estado brasileiro. Através de um Plano Nacional e um Sistema Nacional Articulado de Educação, o país estabelecerá metas, diretrizes e responsabilidades para os executores do Plano. Caberá a sociedade a tarefa de acompanhar e fiscalizar a sua aplicação, através dos mecanismos de participação social, como os Conselhos Estaduais e Municipais de Educação.
Milhares de propostas, vindas de todo o país, foram debatidas na Conae. O resultado poderá trazer novos tempos para a educação brasileira. Além do investimento e da constituição do sistema nacional, a Conferência aprovou outras importantes medidas. No campo da valorização dos profissionais da educação, como destaque a implantação do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN) e de planos de carreira para professores e funcionários, a redução do número de alunos por turma, a melhoria das condições das escolas, um forte investimento público na formação inicial e continuada dos educadores, e a instituição de medidas para enfrentar o quadro de adoecimento dos educadores no país.
Em relação à gestão, aprovou-se o fortalecimento dos conselhos de educação, a constituição de um Fórum Nacional de Educação (antiga reivindicação de vários segmentos envolvidos na defesa da educação pública), a obrigatoriedade da realização de eleições diretas para diretores de escolas e, ainda, a regulamentação do ensino privado no país.
Outro marco da Conferência foi à aprovação da reserva de vagas para estudantes no ensino superior. Serão destinadas 50% das vagas de acesso às instituições de ensino superior públicas à estudantes oriundos das escolas públicas, respeitando, em cada Estado, a proporção de negros e indígenas. Um importante avanço para a democratização do ensino superior.
No último dia do evento, recebemos a visita do presidente Lula e do ministro de Educação Fernando Haddad. Lula, em um discurso emocionado, destacou as realizações efetuadas na área da educação e a importância de consolidar uma política de Estado para a educação. “Foi neste governo, em que o presidente e o seu vice não possuíam o diploma de ensino superior, que mais se criou novas universidades públicas no país”, destacou.
Saí da Conae com a convicção que, de fato, a sociedade brasileira pode estar construindo um novo país. Agora, cabe a nós acompanhar todo o processo de implantação das políticas definidas na Conferência. O resultado deve seguir, em breve, para o Congresso Nacional. Ainda este ano, os parlamentares terão que aprovar o Plano Nacional de Educação de 2011 a 2020. Na seqüência, será a vez de Estados e municípios, a luz do plano nacional, aprovar seus respectivos planos.
Para finalizar, chamo a atenção de um dos episódios da Conae. No meio de um debate acalorado, um estudante surdo-mudo pede espaço para fazer uma intervenção em defesa da manutenção de escolas específicas para surdos. Com a ajuda de uma intérprete da linguagem dos sinais (Libras), este foi ouvido respeitosamente por todos os presentes. Da mesma forma que pôde ouvir os argumentos pela inclusão dos surdos nas escolas regulares, é nesta educação que acredito. Uma educação sólida, que dê as ferramentas e autonomia intelectual para cada cidadão e cidadã conhecer e interpretar o mundo. Uma educação que contribua com a construção de um mundo livre de preconceitos e pautado pelas relações de justiça, igualdade e solidariedade.

Luiz Carlos Paixão da Rocha é professor da Rede Estadual de Educação do Paraná, mestre em Educação pela UFPR e, atualmente, diretor estadual de Imprensa da APP-Sindicato