Amigos, ao longo dos anos, e pelas minhas pobres, mas persistentes observações sobre o quesito “comportamento humano”, a humanidade me surpreende e me confunde bastante, quando vejo as mudanças que nós mesmos inserimos em nossa comunicação cotidiana. Vira e mexe sentimos necessidade de mudar o nosso falar (não sou lingüista e nem deveria me meter com essas coisas, mas, às vezes, a necessidade faz o sapo pular, não é não?)
Bem, então continuemos. E vou direto ao tema: sabem o que é? São essas ondas em que as pessoas passam a surfar de vez em quando, que alguns chamam modismo, uma maneira diferente de se falar de determinadas coisas, ou melhor, são certas expressões que um indivíduo usa, o outro acha interessante e passa a usar também e, quando se pensa que não, já caiu no linguajar da comunidade. Fiquei mais curioso ainda quando a expressão que eu pensava local, inventada aqui mesmo, eu a ouvi em outra cidade. E mais: eram todos jovens os falantes da “nova moda”, nova moda para mim, pelo menos.
É o seguinte: jovens, sempre os jovens, quando vão se despedir, dizem assim: “Então, obrigado. Fica com Deus.” Um jovem que veio entregar lanche em minha casa foi o primeiro a usar a expressão “Fica com Deus”. É curioso também o uso da segunda pessoa do singular, fica (tu) com Deus. Ora, quando aquele garoto, trabalhando àquelas horas, abriu um sorriso feliz e me disse para ficar com Deus, eu vou confessar a vocês: eu fiquei plenamente encantado. Até eu, que vocês sabem ser um sujeito relaxado e de religiosidade pouco ou nada elogiosa, achei lindo o nome de Deus na boca de um garoto visivelmente pobre, trabalhando à noite, quando todos os outros se divertiam... E ainda se preocupa com que eu fique em companhia de Deus... Aquilo me comoveu e eu fui para dentro de casa com a frase na cabeça: “Fica com Deus...”
Aconteceu que alguns dias depois recebi a entrega de uma loja, uma farmácia, e o motobói, tão logo fez a entrega, também se despediu igualzinho: “Fica com Deus”. E se foi. Parecia feliz com seu serviço... A coisa, aí, começou a me encucar: — Será que isso é algum tipo de treinamento que os comerciantes estão fazendo com os garotos? É, deve ser isso. Esse povo não perde tempo mesmo, hem? Não bastou terem inventado o Papai Noel, agora querem Deus, o Pai, a última escala do Poder!... — pensei eu e não posso negar que pensei. Afinal de contas, as pessoas são capazes de tudo...
Mas aí o próprio Deus achou de me socorrer e aconteceu de novo: um médico ainda jovem conversava comigo. Assuntos normais, triviais. Ao se despedir, ele virou-se como se estivesse acostumado, como se fosse praxe despedir-se assim, e falou: “Fica com Deus...” — Epa, que negócio é esse? — assustei-me de verdade, pois todos os meus cálculos, tudo que eu imaginara significar a expressão “Fica com Deus”, tudo tudo tinha ido pro brejo. Dias depois, um dentista, uma pessoa culta, também se despediu de mim com o mesmo “Fica com Deus”. Aí eu endoidei de vez. Fiquei perdidão, porque nada mais tinha sentido. — Que diabos, então, significaria aquela saudação de adeus que eu andava recebendo? Não era coisa de menino pobre a serviço de comerciante sem escrúpulo, como eu pensara. E o médico? E o dentista? Conheço-lhes a vida particular e sei que ambos estão bem de vida, muito bem... A única coisa em comum é que todos eles, todos, são jovens, entre 18 e 35, no máximo.
Procurei na internet, mas havia mais de dois milhões de referências sobre a frase, não se contando a Bíblia. Eu desisti. Achei, todavia, uma música composta por aquele grupo musical “Sorriso Maroto”, cujo nome é “Fica com Deus”. Achei também que os internautas costumam se despedir com “Fica com Deus”... Mas seria só isso? Bem, sei que os internautas são numerosos, tudo bem, mas, novamente, são sempre os jovens que usam a citada expressão. — Por que, de repente, assim sem mais nem menos, eu que vejo tão poucos jovens nas igrejas, nas procissões, nas missas, e vejo agora esses mesmos jovens começarem a se lembrar de Deus, a se despedirem de maneira tão respeitosa?
Olhem: pode ser que eu esteja enganado, o que não é nada difícil. Mas eu penso que a comunicação ficou muito mais fácil com a internet (ficou livre, presa a nada, ficou chamativa, porque solta e libertina, até. E é disso que jovem gosta). A internet está unindo muito os jovens. Quanto a isso, não há dúvida. Porém, quando estou duvidoso é sempre mais seguro perguntar ao Amâncio, meu filósofo de botequim. E sabe o que o Amâncio me respondeu? Olhe só: — Sabe de uma coisa, Santão? Se no Brasil, por exemplo, há 190 milhões de pessoas, e que poucos, pouquíssimos milhões desses são religiosos praticantes, com que deus ficam todos os outros milhões? Com nenhum. Mas aí é que mora o perigo: o homem sempre procurou viver sem a dependência de Deus. E não consegue. É difícil demais. Os jovens sentem desesperadamente a falta de Deus e, se em algum modismo ou em qualquer outra face ou roupagem Deus lhes aparecer, esteja certo de que vão puxá-Lo para dentro do peito, custe o que custar. A solidão, meu amigo, mata. A internet, Santão, tem um poder enorme e não sabe. Ela poderia dar aos jovens muita comunicação importante. Só que comunicação é uma coisa, mensagem é outra. A internet tem muita troca de palavras, mas falta-lhe uma boa comunicação. E o espaço aqui se acabou. Mas há esperança. Fiquemos com Deus.
Texto de Geraldo dos Santos Pires